DEPOIMENTOS

Abusada aos 8 anos de idade por um ancião de sua congregação

Ministério Público investiga denúncias feitas por ex-fiéis; associação nega irregularidade e diz que ajudará autoridades

D.M.R. tinha oito anos quando o cunhado, ancião nas Testemunhas de Jeová, abriu as calças e ordenou que ela segurasse seu pênis. À noite, confusa, sem entender muito bem o que havia ocorrido, contou o caso para a sua mãe. “Para de falar bobagem, ancião não faz uma coisa dessas”, foi a resposta.

Segundo ela, durante anos, o marido de sua irmã, pessoa importante na igreja, violou seu corpo. “Eu era uma menina, não tinha a lucidez que tenho hoje”, afirmou.

Quando começou a ter mais clareza sobre a violência que sofria, aos 14 anos, reclamou com outros dois anciãos da associação, mas nada foi feito, segundo seu depoimento.
Um deles, um homem que costumava chamar a atenção dela por qualquer deslize como, por exemplo, usar sombra nos olhos, deu-lhe uma resposta seca quando ela começou a fazer um relato sobre as agressões. “Não tem conversa”, ouviu do ancião.

D.M.R. é um das mulheres encaminhadas ao Ministério Público pelo coletivo Vítimas Unidas, fundada por Vana Lopes, uma das vítimas do médico Roger Abdelmassih, condenado por estupro de pacientes em sua clínica de reprodução assistida em São Paulo.

Vana fez a ponte das vítimas com a Promotoria após ser procurada pelo escritor lusitano António Madaleno, ex-ancião, que conhecia vítimas brasileiras, mas não sabia a quem deveria encaminhá-las.

Ela diz conhecer dezenas de casos, mas afirma que muitas pessoas preferem não levar as denúncias adiante. “Pode ser tão grave quanto o do João de Deus”, diz, referindo-se ao médium João Teixeira de Faria, condenado em Goiás a mais de 40 anos de prisão por estupros.

Vana disse não se tratar de um episódio de perseguição religiosa, como a associação argumentou à Justiça, mas uma necessidade de ação para coibir crimes graves.

O inquérito do Ministério Público sobre a suposta omissão das Testemunhas de Jeová corre em segredo de Justiça. Segundo o apurado pela promotora Celeste Leite dos Santos, a organização, em muitas situações, teria não apenas desestimulado mas também constrangido vítimas a não denunciar as violências.

Em razão disso, afirma, muitos dos crimes já prescreveram. Segundo documento que apresentou à Justiça, a igreja ameaçava desassociar a vítima que levasse acusações ao conhecimento público. A pessoa que é expulsa, segundo a investigação, perde o elo com os parentes que integram a igreja. “Os familiares não podem nem mesmo dar bom dia”, diz uma das vítimas.

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