‘Eu não tive escolha sobre entrar nessa seita ou não’
“Eu não tive escolha sobre entrar nessa seita ou não”, diz a cuidadora de idosos E. B., de 37 anos, que foi educada como testemunha de Jeová desde criança.
Sua mãe era da religião e E.B. cresceu acreditando nos seus ensinamentos. “Eles falam muito do Armagedom, então você cresce morrendo de medo do fim do mundo. Também fazem um terror sobre as pessoas que são de fora, que eles chamam de ‘pessoas do mundo’, dizem que aqui fora você vai ser maltratado, que tudo é horrível, que as pessoas vão se aproveitar de você”, conta.
Dentro da igreja, os líderes são chamados de “anciãos”: são homens com cargos de liderança, não necessariamente idosos. “Eles são vistos como puros, respeitáveis, nunca que você vai imaginar que eles vão abusar de uma criança”, diz E.B.
Foi por isso que a mãe da menina confiou quando um ancião de uma das congregações de Testemunhas de Jeová de São José do Rio Preto pediu para levá-la para a sede da entidade na cidade, conta. Ela tinha 12 anos e iria ser questionada sobre a fé, como parte da preparação para seu batismo. As perguntas normalmente são feitas com várias crianças ao mesmo tempo.
“Eu achei que quando a gente fosse chegar lá no salão ia ter mais gente, mas estava só eu e ele. Ele me levou sozinha para uma sala e trancou a porta”, diz.
“Ele começou a falar do meu corpo, falar que já fazia tempo que ele me notava, que ele percebia que eu não usava sutiã. Achei muito esquisito. Ele perguntou se eu já tinha tido relações, se eu já tinha visto um pênis. E começou a falar que o dele era maior que a média, e colocou para fora, mostrou pra mim.”
“Eu era uma criança, não sabia nada dessa parte sexual. Eu fiquei muito assustada, muito envergonhada. Mas ao mesmo tempo eu achava que aquilo fazia parte… Eu não estava entendendo. Achei que ele estivesse fazendo algum teste comigo.”
O homem então se colocou atrás da menina e começou a tocar nos seus seios e se esfregar nela, diz E.B.
“Eu fiquei muito assustada, não sabia o que fazer. Disse que estava passando mal e fui para o banheiro. Fiquei um tempão lá, mas eu não tinha para onde fugir porque a porta estava trancada.”
E.B. conta que depois, no caminho de volta para a casa dela, o ancião tentou convencê-la a ir para a casa dele e tentou embriagá-la. “Depois disse que eu ‘tinha obrigado’ ele a ir se aliviar no banheiro. Eu era tão inocente que nem entendi o que ele quis dizer”, relata.
Acobertamento
E.B. diz que falou sobre o episódio para a mãe, apesar do abusador dizer a ela para não falar nada para ninguém. “Ela não falou nada para mim. Para ela, o que eles falavam era como se fosse Deus falando, então ela não confrontou ele.”
Quando ouviu que o mesmo homem havia “mexido” com outra pessoa no Salão do Reino (como são chamados os locais de encontro dos religiosos), E.B. resolveu contar para outros anciãos o que tinha se passado.
“Eles ficaram bem desconcertados, mas falaram para eu deixar nas mãos de Jeová, que Jeová ia resolver esse assunto. Que era para eu orar, perdoar ele pelo que ele fez e que Deus consolasse meu coração” diz ela. “E ainda pediram para não comentar com mais ninguém porque ele tinha esposa e filha, porque isso podia virar caso de polícia e a gente evita que vire caso de polícia.”
‘Justiça paralela’
Nos documentos oficiais da Associação das Testemunhas Cristãs de Jeová, que tem sede nos EUA e tem diversas publicações e comunicados enviados para as filiais no mundo, há orientações explícitas para que anciãos resolvam quaisquer problemas entre membros internamente.
Como explicam esses documentos, pessoas acusadas de cometer crimes e irregularidades são julgadas por anciãos em uma reunião chamada ‘comissão judicativa’. Mas para que uma acusação gere uma comissão — incluindo casos de abuso sexual de crianças ou violência contra a mulher — é exigido que haja duas testemunhas. Tudo isso está detalhado no livro dos anciãos, que é acessível somente aos líderes e não é compartilhado com os outros fiéis.