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‘Eu tinha muito medo de procurar a polícia e ser desassociada’

A costureira A. P. conta que não nasceu em uma família de testemunhas de Jeová, mas pregadores da religião bateram em sua porta diversas vezes quando ela era uma criança.

“Meu pai tinha acabado de morrer e minha mãe tinha muitos filhos para criar, ela estava muito vulnerável emocionalmente”, diz ela.

A.P. e sua família passaram a frequentar a igreja e a menina era totalmente engajada. Ainda jovem, ficou noiva de um homem da comunidade religiosa. “Certa vez, quando ele foi me visitar em casa e estava indo embora, voltou dizendo que não havia mais ônibus”, relata A.P.

Para não dizerem na congregação que os dois tiveram relações antes do casamento – o que é proibido – A. P. conta que fez uma cama para ele na sala, a dois colchões de distância dela.

“Minha família era grande, então alguns de nós dormíamos na sala. De noite eu vi ele se levantando e se debruçando sobre a minha irmã, que tinha 12 anos. Eu sou míope, não entendi direito, achei que talvez ele tivesse cobrindo ela. Depois ele correu para o banheiro”, diz,

“Ele viu que eu fiquei desconfiada e confessou para mim que tinha passado a mão nela. Na época eu não sabia o que era pedofilia, eu achei que era só uma traição.”

Quando falou para os anciãos o que tinha acontecido, conta A. P., eles não disseram que era deveria ir às autoridades, não perguntarem se ela tinha testemunhas. Segundo ela, disseram para não contar aquilo à mais ninguém, para perdoá-lo e apressaram seu casamento.

A costureira diz que sofreu violência por anos em seu casamento. Ela relata que seu marido tentava forçá-la a fazer sexo quando ela não estava disposta e a espancava por ter sido recusado.

“Tentei contar diversas vezes para os anciãos, eles diziam que eu deveria ser mais paciente. Isso porque eu era uma mulher que não abria a boca para questionar nada. Diziam que eu deveria dar ao meu marido o que lhe era devido.”

Foi durante uma dessas vezes, afirma, que ela descobriu o que era pedofilia. “Quando contei a um ancião o que ele havia feito com minha irmã, ele me perguntou ‘você sabe o que é isso? É pedofilia.’ Mas nunca, em nenhum momento, eles tomaram alguma atitude contra ele”, diz a costureira.

Quando A. P., o marido e o filho foram morar em uma vila onde residiam diversas testemunhas de Jeová, dois anciãos eram seus vizinhos em ambos os lados.

“A violência dele (do marido) chegou a um ponto que um dos anciãos abriu a parede do quintal entre nossas casas para nos vigiar, porque sabia que ele poderia me bater a qualquer momento”, diz ela.

“Eu tinha muito medo de procurar a polícia e ser desassociada. Eu não tinha para onde ir, minha família, todas as minhas relações eram da igreja”, conta.

A. P. diz que uma noite finalmente teve coragem de ir à polícia depois do marido começar a agredi-la com golpes de karatê. “Não foi fácil”, conta.

O caso, no entanto, nunca virou um processo. “Me disseram que o caso ia pro fórum e iam entrar em contato, mas nunca entraram. Ninguém me informou, na delegacia, que eu deveria voltar e pedir para que ele fosse denunciado à Justiça”, diz ela.

Na época, antes da Lei Maria da Penha, esse tipo de crime era condicionado, ou seja, o caso não podia ser denunciado à Justiça sem que a vítima pedisse por isso. A. P., no entanto, nunca voltou para casa, e acabou saindo da religião com o filho.

“Lá dentro eles dizem que aqui fora todo mundo é horrível, mas foi aqui fora que eu encontrei ajuda, apoio, encontrei um marido que me trata bem, que me ama. Não lá dentro”, diz.

*os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados

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